A COPA DO MUNDO (2014) NÃO SERÁ
NOSSA!
Frei Betto
Para bem funcionar, um país
precisa de regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia.
O Brasil possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas pode contrariar
a lei maior – a Constituição. Só em princípio. Na prática, e na Copa, a teoria
é outra.
Diante do megaevento da bola,
tudo se enrola. A legislação corre o risco de ser escanteada e, se acontecer,
empresas associadas à FIFA ficarão isentas de pagar impostos.
A lei da responsabilidade fiscal,
que limita o endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras
destinadas à Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer,
especialista em planejamento urbano, um município poderá se endividar para
construir um estádio. Não para efetuar obras de saneamento...
A FIFA é um cassino. Num cassino,
muitos jogam, poucos ganham. Quem jamais perde é o dono do cassino. Assim
funciona a FIFA, que se interessa mais por lucro que por esporte. Por isso
desembarcou no Brasil com a sua tropa de choque para obrigar o governo a
esquecer leis e costumes.
A FIFA quer proibir, durante a
Copa, a comercialização de qualquer produto num raio de 2 km em torno dos
estádios. Excetos mercadorias vendidas pelas empresas associadas a ela. Fica
entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e ambulantes, polícia
neles!
Abram alas á FIFA! Cerca de 170
mil pessoas serão removidas de suas moradias para que se construam os estádios.
E quem garante que serão devidamente indenizadas?
A FIFA quer o povão longe da
Copa. Ele que se contente em acompanhá-la pela TV. Entrar nos estádios será
privilégio da elite, dos estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar
ingressos em mãos de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida
antecipadamente na Europa.
A FIFA quer impedir o direito à
meia-entrada. Estudantes e idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as
empadas da vovó ou a merenda dietética recomendada por seu médico. Até água
será proibido.
Todos serão revistados na
entrada. Só uma empresa de fast food poderá vender seus produtos nos estádios.
E a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios, que vigora hoje no Brasil,
será quebrada em prol da marca de uma cerveja Made in USA.
Comenta o prestigioso jornal Le
Monde Diplomatique: “A recepção de um megaevento esportivo como esse autoriza
também megaviolação de direitos, megaendividamento público e
megairregularidades.”
A FIFA quer, simplesmente,
suspender, durante a Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do
Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Todas essas propostas ilegais estão
contidas no Projeto de lei 2.330/2011,
que se encontra no Congresso. Caso não seja aprovado, o Planalto poderá
efetivá-las via medidas provisórias.
Se você fizer uma camiseta com os dizeres “Copa 2014” , cuidado. A FIFA já solicitou ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) o registro de mais de mil itens, entre os quais o numeral “2014”.
(Não) durmam com um barulho deste: a FIFA quer instituir tribunais de exceção durante a Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de ingressos e publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37 permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para causas vinculadas aos eventos. Uma Justiça paralela!
Na África do Sul, foram criados 56 Tribunais Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica mereceu 15 anos de prisão! E mais: se houver danos ou prejuízo à FIFA, a culpa e o ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da FIFA em seus negócios particulares.
É hora de as torcidas organizadas e os movimentos sociais porem a bola no chão e chutar em gol. Pressionar o Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a legislação brasileira no banco de reservas. Caso contrário, o torcedor brasileiro vai ter que se resignar a torcer pela TV.
Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.